A escola não tem como missão substituir a família na educação de crianças e jovens. Mas não há ensino sem formação porque isso seria admitir que uma pessoa se realiza por existir e não por (con)viver. São realidades intrínsecas e inseparáveis para a qualidade de cidadão que a escola deve forjar. Ensinar o saber teórico e o saber prático de um conteúdo disciplinar, não o contextualizando no saber estar com e para os outros não só é negligente como perigoso.
O valor acrescentado da escola não deve ser medido apenas em termos de cumprimento de um currículo e pelo grau progressivo da consecução dos seus objetivos. Ele deve também ser medido na progressiva consciencialização do aluno das suas responsabilidades sociais e da aretê cidadã que fará dele uma mais-valia para a sociedade. O valor acrescentado da escola deve também ser medido pelo grau de eficiência e eficácia com que transforma uma criança com valores positivos induzidos pela socialização familiar, num jovem capaz de uma reflexão ética metodicamente deliberada com base numa sólida hierarquização de valores. O valor acrescentado da escola deve ter referentes científicos, filosóficos e deontológicos. Porque o sentido de dever deve estar muito para além do cumprimento das regras de funcionamento e relacionamento previstas num Regulamento Interno de uma escola. Ele deve contextualizar-se numa fidelidade a imperativos éticos de ação que se fundem no respeito pelos outros e por si mesmo como pessoa digna.
Assim custa-me admitir, como professora, que a escola falhou quando ouço em dois programas televisivos distintos um jovem aspirante a politico afirmar com uma insensatez que magoa que “ todos os direitos são referendáveis”. A escola deveria tê-lo ensinado que há coisas inegociáveis, que há coisas que são a pedra angular de uma sociedade justa e democrática. Que há coisas que a Carta Universal dos Direitos Humanos nos deu como recompensa dos efeitos catastróficos da insanidade de um tirano que pensava que quem decidia o que era Direitos Humanos era ele. A afirmação irrefutável destes direitos custou muitas vidas. Foi (é) uma afirmação de uma luta vestida com os pijamas listados dos campos de concentração nazis e que tem o cheiro dos seus crematórios. A simples ideia de que “ todos os direitos são referendáveis” é um insulto a esta luta e a sua verbalização uma manifestação tonta de ignorância que envergonha uma geração.
Se esta afirmação me deixou preocupada, extasiei de perplexidade (o reforço é propositado) quando li a afirmação de um grupo de jovens num debate na Aula Magna, em Lisboa, onde defendem a humilhação de algumas praxes como “uma forma de integração na universidade e na vida ativa”, reclamando (pasme-se) “o direito de ser humilhados “. Corem as mães, corem os pais, corem os professores…. de vergonha .Todos falhamos quando um jovem reclama o direito à indignidade. A última fronteira foi ultrapassada. Confundir integração com vexame e companheirismo com abuso é mais do que ignorância, é niilismo ético. E isso é preocupante para a sociedade que estes jovens vão construir.
Assusta-me pensar que jovens com esta ausência de caráter e de exigência de ética possam ser um dia governantes do meu País. Porque foi a dignidade dos muitos que não aceitaram ver sonegados direitos e maltratadas pessoas que me fizeram orgulhosa dele.